ANADITE
FERNANDES DA SILVA
RAMON RIBEIRO
Repórter
A
professora e artista plástica Anadite Fernandes da Silva recebeu a reportagem
da TRIBUNA DO NORTE com bolo e café em sua casa em Lagoa Nova. Perto de
completar 88 anos, ela está se recuperando de uma chikungunya, por isso anda
com dificuldade. Mas doença nenhuma lhe tira o sorriso do rosto. Ainda mais
depois da última semana, quando, mesmo baqueada da saúde, ela se fez presente
na solenidade que restabeleceu o uso do brasão de armas original do estado,
cujo desenho criado em 1909 pelo cantor lírico e artista gráfico Corbiniano
Villaça (1873–1967) estava perdido há anos.
Ao
ver a governadora Fátima Bezerra chancelar o uso do símbolo oficial correto,
diferente do que vinha sendo utilizado, com distorções de traço e medida,
Anadite viu reconhecido seu trabalho de mais de 40 anos de estudos sobre as
bandeiras e brasões do Rio Grande do Norte. “Fiquei surpresa com esse evento.
Sentei lá atrás com a minha sobrinha. De repente ouvi meu nome chamando para
participar da mesa. Fiquei muito feliz”, diz a pesquisadora.
A
descoberta do brasão de armas oficial do estado foi feito pela professora em
pesquisas no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN), em
2015. Desde então ela, e o próprio instituto, vinham tentando fazer com que os
órgãos estaduais passassem a utilizar o brasão certo. O símbolo mostra um
escudo de campo aberto, em que na parte inferior navega uma jangada no mar,
simbolizando o sal e a pesca; no terço superior, em campo de prata, no centro,
estão dois capulhos de algodoeiro, com uma flor amarela em cada lado; também em
cada lado do escudo estão um coqueiro (à direita) e uma carnaubeira (à
esquerda), com os troncos ligados por duas canas de açúcar unidas por um laço
com as cores nacionais. Todos os elementos representam a flora potiguar. E a
estrela branca, no alto, simboliza o Rio Grande do Norte entre os estados da
federação.
Mas
além do brasão do RN, Anadite é conhecedora profunda dos brasões municipais do
estado. É também autora do desenho de grande parte desses brasões, tarefa que
além de talento e técnica artística, requer pesquisa histórica e geográfica.
Todo os 40 anos de trabalho sobre o assunto estão registrados no livro
“Bandeiras e brasões de armas dos municípios do Rio Grande do Norte”, impresso
com recursos próprios pela professora em 2015. A partir desta semana alguns
exemplares estarão à venda na sede do IHGRN.
Nascida em Alexandria – cuja bandeira é
a sua preferida -, Anadite é professora aposentada de História, formada pela
UFRN. Nesta entrevista ela mostra que é possível velejar por um mar de curiosas
histórias ao se estudar bandeiras e brasões, e que tanto quanto símbolo, esses
escudos representam de uma maneira singular a memória de um povo e que por isso
devem ser valorizados. Confira.
INÍCIO
DA PESQUISA
Esse trabalho começou no departamento cultural da Secretaria de Educação do
Estado, no tempo de Zilda Lopes [secretária]. A ideia era criar as bandeiras e
brasões de todos os municípios. Mas não deu tão certo, algumas prefeituras não
quiseram. Veio a secretária Olindina Gomes, ela encontrou desenhos de bandeiras
numa papelada. e então me encarregou da tarefa. Eu não tenho nenhuma prática
nesse trabalho. Nunca tinha ouvido falar em Heráldica [princípios que regem a
confecção das bandeiras]. Mas como sabiam que eu pintava, disseram que eu era a
pessoa certo para o assunto. Então comecei a pesquisa sobre o tema.
TRABALHO
SOLITÁRIO
Foi um trabalho grande, longo, atravessou vários secretários. Vi que teria
dificuldade, pedi ajuda de custo para ir visitar os municípios, não consegui.
Acabei ficando nisso sozinha. Ligava para as prefeituras e obtinha retorno. Aos
poucos algumas pessoas foram acreditando no projeto.Tive a ajuda do meu irmão,
Israel Vieira da Silva, viajamos todo o estado. E assim consegui terminar os
brasões dos 167 municípios do RN. Sempre desejei que esse livro fosse parar nas
escolas. Cada brasão é uma história. É um símbolo que pode ser trabalhado em
sala de aula.
DESENHANDO
BRASÕES
A maioria dos brasões foi eu que fiz. É preciso estudar a história de cada
município para saber o que se deve referenciar. Mas alguns eu só retoquei. Vi
que tinha erros e colocava dentro das normas. Tinha aqueles que eu achava
exagerado, mas não podia fazer nada. Lajes foi um que retoquei. Dos que criei
tem Angicos, que lembrei a Serra do Cabugi.
ALEXANDRIA
Alexandria é a minha cidade. Meu pai era dono de propriedade, nasci na fazenda
Vaca Morta. É um nome engraçado, ganhou esse título porque quando papai comprou
o terreno tinha uma vaca morta. Eu que fiz o brasão de Alexandria. Se você
prestar atenção, coloquei aqui a igreja inicial, nossa primeira capelinha, tem
o algodão, o milho, tem a Serra da Barriguda. Gosto bastante desse brasão.
ALGODÃO
Nos brasões que fiz o algodão está muito presente. É de propósito. Acho um dos
maiores crimes terem acabado com a estrada de ferro e terem matado nosso
algodão com essa história de bicudo. Então quando me permitem, coloco as folhas
de algodão.
BRASÃO
OFICIAL
O brasão do estado que vinha utilizado tinha alguns erros. Por exemplo no
escudo. Muitas vezes era usada uma imagem com o bico errado. Os elementos são
esses mesmos, mas o desenho não, é outro traço. Você vê que brasão mostra
produtos importantes para o RN, como o algodão, a pesca, a cana de açúcar, o
coqueiro representando o litoral, a carnauba do interior. E a estrela no alto
representando o estado.O símbolo original, do Corbiniano, em preto e branco,
está no IHGRN. Mas ocê sabia que antes do brasão feito pelo Corbiniano havia
outro? Era do tempo das capitanias. Foi feito em homenagem aos índios, tinha
uma ema no centro do escudo.
NADA
DE BANDEIRA NO CHÃO
Sei que são poucas as pessoas que tem bandeira em casa. Até mesmo a do Brasil.
Antigamente até se via mais. Eu tinha uma e dei para a igreja, foi melhor do
que deixar guardada. Mas a importância desse trabalho nem é essa. As bandeiras
municipais devem ser usadas nos órgãos da prefeitura, nas escolas. Outra coisa,
acho horrível ver a bandeira do Brasil ser pintada no chão onde passa cachorro,
porco, carro, como se faz na copa. É um símbolo sagrado.
O
JEITO CERTO
Você sabia que até para guardar a bandeira tem um jeito certo? Não pode dobrar
o brasão. E hastear a bandeira também tem um procedimento. A do Brasil fica no
centro, mais alta que as outras. No lado esquerdo da bandeira do Brasil fica a
do estado, e no lado direito fica a do município.
A
VEZ DOS HINOS
Tenho
uma pesquisa sobre os hinos do RN. Está bem adiantado. Tenho todos os hinos.
Mas alguns estou dando uma checada porque encontrei versões diferentes. Tem
cada hino lindo. Sei que tem alguns autores fazendo pesquisa sobre hino, mas
não vou deixar de fazer. Se a saúde me deixar, quero publicar mais esse
trabalho
FONTE –
TRIBUNA DO NORTE
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